terça-feira, 14 de junho de 2011

Vazio

Ela sentou do meu lado no ônibus, nos bancos do fundo, entre eu e o cara que dormia com os fones de ouvido. Eu conhecia ela. J. tinha sido minha colega nos tempos da escola e fez parte do grêmio estudantil. Estava mais magra, mais bem cuidada e em melhor humor teria conversado com ela. Mas eu estava me alimentando mal e minha conversa andava tão anêmica quanto meu sangue.

Fingi que não a conhecia e fiquei olhando pela janela. Quando ela foi se sentar entre eu e o discípulo de Morfeu, bateu a cabeça no teto baixo do ônibus. Não se deixou abalar com um ai. Vi que sorriu pra mim, tinha me reconhecido apesar do cabelo, dos dentes, dos olhos. "É, eu também te reconheci, mas não". A viagem prosseguiu e o silêncio instaurado entre nós oprimiu qualquer ação. Ela estudava na federal agora; eu sabia que desceria antes dela.

O momento chegou e eu preparei minhas coisas, algo que já teria feito o vizinho se movimentar para me dar passagem. A inação dela deixou a entender que ela queria que eu a reconhecesse. Senti seus olhos atrás da minha cabeça. Mal sabia que eu já tinha percebido isso antes dela me perceber, enquanto atravessava a roleta. Não havia sentido naquilo, simplesmente. Me levantei, pedi licença e ela me olhou, implorando com um sorriso. Levantou e me deu passagem.

Antes de passar por ela no corredor cheio do ônibus, disse um "obrigado" deixando claro que não a reconheci. Ela ficou de costas. Desci e fui fumar um cigarro para me sentir ainda mais fraco e vazio.

2 comentários:

  1. O primeiro parágrafo está muito bem escrito. Ele é claro e envolvente. No segundo parágrafo o termo "discípulo de Morfeu" me deixou um pouco confusa. Seria um passageiro sonolento? Nesse caso, acho melhor substituir o artigo definido por um indefinido, afinal, esse personagem secundário é totalmente desconhecido. No trecho em que o pensamento surge, aquele "mas não" está um pouco vazio de significado. Acho que você deveria desenvolver mais esse trecho. As coisas não-ditas trazem muito material para quem está escrevendo, mas é preciso utilizar esse espaço para de fato, dizer o que não foi dito. Ou então, sugerir o máximo que você puder, para que o leitor, por sua vez, possa preencher esses espaços. Eu li um artigo sobre isso no Cadernos de Não-Ficção. Já convidei você para entrar e ler a revista. Afinal, para nós que somos escritores amadores, toda ajuda é bem-vinda :] Gostei da sua finalização também, tem um bom arremate. Só tome cuidado para não encurtar demais os seus contos. O tempo do texto é diferente do tempo da leitura e isso pode ser essencial para envolver o leitor.

    Parabéns pelo feito, Lipi :3

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  2. Se colocasse um parágrafozinho a mais, já poderia chamar de crônica sobre os tempos modernos.
    Acho que o segundo parágrafo ficou objetivo demais. Apesar de ser um conto rápido e prático de se ler, ficou muito corrido e, tenho que concordar com a Graziela Belotto, quanto ao 'discípulo de Morfeu' ter me deixado confusa também :x.
    Acho que poderia ficar melhor se tu desenvolvesse mais esse segundo parágrafo, falando de, pelo menos, qualquer alusão ao motivo de tu não ter a menor vontade de querer cumprimentar ela ou seu outro amigo.

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